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11/09/2024 17:02


CONSPIRAÇÃO DO SILÊNCIO - O QUE SOMOS - O QUE PODEMOS SER.

Uma bela manhã de inverno. Muito frio, uma grande geada lá fora. Há tempos não fazia um inverno rigoroso assim. Mesmo assim, o sr. C. de 62 anos precisou se agasalhar bem e sair para sua consulta agendada para às 09:00h. Sua esposa o acompanhou, como fazia desde que se casaram há 35 anos. Consulta de rotina. Exames periódicos, aquilo que as pessoas chamam de check-up.
           Após a consulta, o médico pediu para falar em separado com a esposa do sr. C. O casal estranhou um pouco, mas “deve ser rotina”, disse ela. A conversa demorou alguns minutos e o profissional mostrou preocupação quanto ao estado de saúde do seu esposo. Ele encontrou caroços grandes em certas áreas do corpo e notou que o fígado e o baço estavam bastante inchados. Fez algumas perguntas e solicitou alguns exames. Voltariam em breve com os exames.
          Quatro dias após retornaram e pelos exames o quadro não estava muito claro. Mas, provavelmente nada  muito preocupante - segundo o médico, que  disse que solicitaria mais exames para determinar do que se tratava e tranquilizou a família. Dias se passaram e em nova consulta o profissional solicitou que, se possível, algum outro familiar viesse junto para conversarem sobre o estado de saúde do sr. C.
          Os familiares foram orientados a entrarem numa sala onde em breve o médico os receberia. Ficaram lá por uns quarenta minutos. O profissional chegou bem agitado, apressado e disse que tinha uma cirurgia e precisava conversar rapidamente com eles.
            - O seu esposo está com câncer. Um tipo chamado Linfoma, bem raro nesta idade. E bastante grave. Precisamos iniciar logo a quimioterapia e para isto ele deve ser internado o mais rápido possível. Ele ficará alguns dias no hospital e após fará uma quimioterapia complementar em casa. É isto. Alguém tem alguma pergunta? Todos aterrorizados com o diagnóstico do esposo/pai. Tão novo e tão saudável. Assim, de repente. A esposa iniciou um choro contido e a filha foi consolar a mãe. O filho saiu da sala, agitado, nervoso. Assim terminou a conversa. Foram quatro longos minutos de conversa.
          Nas semanas seguintes o sr. C. foi tratado com um esquema agressivo de quimioterapia que o deixou muito debilitado, fraco. Ele teve várias infecções que precisaram ser tratadas com algumas internações. Perdeu muito peso, cabelo e vontade de viver - segundo sua filha. Os familiares estavam desesperados com seu quadro de abatimento, que parecia estar piorando com a quimioterapia, mas tinham vergonha de discutir isto com o médico que o atendia, sempre tão ocupado.
            Sua esposa, sra I., teve um quadro que foi classificado com depressão e estava à base de remédios. Seu filho mais velho, B. estava sempre de mau humor e apresentava quadros de insônia frequentes. Toda a família estava totalmente abalada com a situação e parecia que não estavam conseguindo dar conta da doença do pai. Uma família tão unida e amorosa, agora totalmente desestruturada. Não se conversavam com receio de piorar o quadro do pai e nem entre eles havia uma comunicação razoável. Evitavam, simplesmente, de tocar no assunto.
         Passados alguns meses, o sr, C. melhorou e estava recebendo medicamentos em casa. Uma irmã que mora em outro estado veio visitá-lo e o encontrou muito abatido e desanimado. Em conversas durante alguns dias, ele se mostrou sem vontade de viver. Sua irmã perguntou qual a doença que estavam tratando e ninguém soube responder. Foi receitado um calmante pelos profissionais que o atendem. Sem melhora. Nas semanas seguintes ele apresentou várias infecções que necessitou de internações. Segundo sua esposa ele estava “definhando”.
         - Mas, por que não conversam com seu médico a respeito do estado dele, que está aparentemente cada vez pior? - perguntou sua irmã.       
         Vamos interromper esta história, que acontece todos os dias neste imenso país. Precisamos discutir alguns conceitos que podem mudar nosso entendimento acerca da saúde e da falta dela. Se uma pessoa da nossa família ou amigo apresenta uma doença grave, potencialmente fatal, mesmo que seja possível uma cura, ela necessita receber Cuidados Paliativos. Esta atenção, que complementa os cuidados médicos, não o substitue, mas busca tratar dos sintomas físicos, emocionais, sociais  e espirituais que toda pessoa nesta situação apresenta. Todos temos este direito, que com certeza melhora nossa qualidade de vida, mesmo estando doentes.
           E esta tal conspiração do silêncio ou pacto do silêncio, do que se trata? Nossa cultura latino-americana encara a doença sempre como algo totalmente ruim, pois vivemos numa sociedade que cultua o hedonismo, o culto ao prazer, a estar sempre bem, sempre feliz. Nem que seja a base de remédios. Quando adoecemos, simplemente tudo desmorona, não sabemos lidar com isto. E os profissionais de saúde e as pessoas família, também não. Imaginamos que nada disto deva ser conversado, compartilhado. E frequentarmos o meio social com algum transtorno ou doença, será vergonhoso. O que ocorre quando adoecemos? As pessoas passam a sentir dó de nós. Somos isolados socialmente, como se aquilo que apresentamos seja contagioso. E, pior, nossa doença fala da finitude de todos. Que a qualquer momento podemos adoecer ou até morrer. Somos socialmente evitados. Aqueles amigos de sempre, que na verdade nunca o foram, se afastam. E aprendemos que deve ser assim. O equilíbrio social não pode ser abalado por isto. E sofremos calados. Percebemos isto, mas entendemos ser normal, pois há muito tempo nossa saúde e doença foram encaminhadas para o hospital. Tudo foi medicalizado. A sociedade foi medicalizada. O doente e a doença, foram ocultos no hospital. Assim, a ordem social fica bem.
         Os profissionais da saúde não conversam com o paciente claramente sobre sua situação, pois não foram ensinados a lidar com a “não cura”. Não sabem conversar com a família, pois estão sempre com pressa, cheios de compromissos. Na verdade, não sabem o que dizer, como dar más notícias, como consolar ou aliviar sintomas de quem está nesta situação. Uma pessoa com uma doença incurável ainda hoje, é vista como um fracasso médico.
          Percebemos que os familiares, por não quererem fazer mal ao paciente, e os médicos, por não saberem lidar com este “fracasso”, não conversam com o paciente. Sempre “está tudo bem”, “o sr. vai ficar bom”, “tenha fé que tudo vai acabar bem”, “você está com uma cara muito boa!”. São frases e palavras esvaziadas de sentido. Todos fogem da realidade.
         Todos os envolvidos sofrem com esta postura dos familiares e profissionais da saúde. Em especial, a pessoa que está doente. Imaginamos que se conversarmos sobre o que ela está vivenciando pode acontecer algo de ruim. Na verdade algo de ruim já está acontecendo.
         Isto se chama conspiração do silêncio, ou seja, todos os envolvidos com a pessoa doente, por vários motivos, não se conversam. Isto é devastador para todos. Mentimos para o paciente que ele esta bem, quando na verdade ele sabe que a situação dele é grave. Praticamente todas as pessoas que apresentam doenças graves sabem da sua situação. Parece uma brincadeira de esconde esconde. Mas, isto de brincadeira nada tem. As consequências para o doente são muito, muito ruins.
         Recomeçando............ O sr C., de 62 anos foi à consulta médica de rotina, onde foi detectada uma doença chamada Linfoma não Hodgkin, não muito frequente nesta idade, mas bastante agressivo. O médico explicou calmamente para o casal e posteriormente para toda a família, o que seu familiar apresentava, o que poderia ser feito, quais as possíveis evoluções neste tipo de câncer, e respondeu demoradamente a todas as perguntas.
         Este encontro com a família foi realizado numa sala aconchegante, uma música ambiente bem calma, com poltronas para todos, água e lenços descartáveis sobre a mesa para dar conta das emoções, que se fariam presentes. Todos, mesmo abalados com o diagnóstico inesperado, participaram com apoio, perguntas, comprometidos com o momento do seu familiar. Alguns choraram, outros se fecharam na sua dor e, ninguém se desesperou. Houve espaço para todas as manifestações, comuns nestes momentos.
        O médico e a enfermeira, que estavam presentes ofereceram toda ajuda e informação que necessitassem, mostraram-se disponíveis e ofereceram uma Psicóloga para atender a família, se assim o desejassem. O sr. C, abalado com sua doença, realizou alguns questionamentos e disse que faria o que fosse preciso, pois sentiu que todos queriam realmente, ajudá-lo. Um momento ruim, com o diagnóstico de uma doença grave se tornou um pouco mais leve. Com todos os envolvidos esclarecidos e comprometidos com o tratamento proposto. Se o sr. C. iria se curar da sua doença, ainda que por demais importante, não era o foco principal neste momento. Todos sentiram isto. O foco era esclarecer, participar, comprometer-se, cuidar.
     Toda pessoa que se depara com uma doença grave na sua vida, em qualquer idade, curável ou não, se beneficia dos Cuidados Paliativos, que são um complemento do tratamento médico que ele está recebendo. Cuidados Paliativos não são para pessoas com doenças incuráveis ou que estão morrendo, apenas. Além do tratamento médico, existem outras áreas que a medicina frequentemente não trata, o emocional, o social, o espiritual. Os cuidados paliativos cuidam disto.
       Sempre que uma pessoa da sua família ou amigo adoecer, primeiro, não se afaste dele/a. Não sabemos, na verdade, o que dizer nesta hora. Fique calado. Seja presente. Ouça. Não aconselhe. Não recrimine. Não julgue. Seja ouvinte. E, trate a pessoa doente com respeito e converse com familiares e abra espaço para que esta pessoa se manifeste. Responda o que for perguntado. Evite expressões muito usadas socialmente, que nada ou quase nada representam. Afinal, estamos aqui para amar e ser amado.

                         Clécio Ramires Ribeiro. Médico Pediatra.                 
                                            CRM/RS 15.143.
                                   @sempretemoquefazer

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