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O SANTO ESTRADEIRO



    Lá no Passo do Ivo, onde o horizonte se estende, a querência se torna livre e o Pampa aflora nos olhos.
    Lá onde o Arroio Árabe, borbulha por entre pedras, torneando as terras do distrito Vacacaí, em tempo idos de seus primeiros habitantes, era um rincão de nome Santo Antônio.
    Depois chegou um comerciante chamado Ivo, pelo idos de 1893, bem no meio da polvadeira de botas e bater de espadas da Revolução da Degola.
    Ivo abriu um bolichão forte, perto do passo de tropas e carretas do arroio.
    Na pulperia tinha o que se buscava, desde a canha para tropeiros, gaudérios e Haraganos, aos mantimentos para os moradores das redondezas, como farinha, erva, arroz, feijão, charque, tecidos, panelas e até pinicos pendurados nas prateleiras.
    Assim o lugar se fez referência e quando perguntavam onde mora o fulano ou beltrano, diziam: Fica lá perto do Passo do Ivo.
    Mas o que o povo daquelas bandas referenciava com fé e devoção, era o Tumulo do Lopes, aliás é até hoje.
    Um túmulo branco na beira do corredor, que pertence ao baiano Lopes.
    Lopes serviu ao Tenente Antonio Leites de Siqueira na Revolução Farroupilha, quando terminou a Revolução Farroupilha o tenente Antonio, como agradecimento a fidelidade e serviços prestados ofereceu um pedaço de terra que ficava na beira do corredor. Pois ali Lopes fez sua querência.
    Lopes era prestativo, logo ficou conhecido por todos, fez seu rancho, logo, logo veio a criação, vacas leiteiras, uma horta, sempre um cavalo e ovelhas para suprir a carne que consumia. Logo Antonio convidou para trabalhar na estância e assim viveu, até o final dos seus dias.
    Lopes adquiriu respeito e admiração, pelo bom coração e por estar sempre disposto a ajudar o próximo.
    Antes de morrer o prestimoso e bom Lopes, querido por toda região, pediu para ser enterrado na beira da estrada, na frente do seu rancho, prontamente foi atendido.
    Contam que Lopes tinha ouro, pois recebia em moedas os pagamentos prestados na estância, por não gastar, sempre humilde não gastava e fez isso durante anos e anos, até o dia que adoeceu e morreu.
    Quando Lopes partiu para a estância do Patrão maior, nada foi encontrado no rancho, ninguém sabe onde foi parar seu dinheiro, muito se cavou na volta das casas para se achar o enterro de dinheiro do Lopes.
    Nunca se soube de alguém ter encontrado.
    Logo se espalhou, que era só pedir para o Lopes que ele atendia ligeiro.
    Os tropeiros e estradeiros, sempre pediam proteção ao Lopes nas longas tropeadas por paragens selvagens, onde o gado era presa fácil.
    Foram aparecendo flores e velas no túmulo, sua fama logo se espalhou, dos milagres do Santinho estradeiro, diziam que ele realizava pedidos e nunca falhava.
    Por sempre defender pobres, tropeiros, cavaleiros andantes nas noites lúgubres, carreteiros e quem dele solicitasse foi assim chamado: LOPES O SANTO ESTRADEIRO.
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    Josenildo Metelo, conhecido por Telo, foi trabalhar na Estância Bom Retiro.
    Numa marcação, veio gente de todas redondezas.
    Telo era bom campeiro e no tiro de laço ele era um dos melhores e estava na frente, tinha a fama de não errar uma laçada.
    Viu uma prenda na cerca da mangueira rindo para ele e aplaudindo quando ele acertava o tiro de laço.
    Era uma chinoca com vestido de chita.
    Logo Telo se aproximou e então conheceu Amália.
    Ela logo perguntou se ele ia ficar para o baile da noite. Não era seus planos, pois tinha planejado voltar para casa, seus pais e seus irmãos estavam sem mantimentos, tinha que passar no bolicho do Manoel, mas não tinha como dizer não, para aqueles olhos castanhos graúdos, sairia na madrugada.
    Pois depois da marcação, os músicos se aqueciam no grande galpão, logo veio a janta, Telo era para estar na estrada, pois por morar longe, um dia perdido, seria um dia a menos com sua família, pois tinha que estar de volta, mas quando via a Amália se assanhando para ele, suspirava e tapeava o chapéu e dizia para si:
    ”Vai valer a pena ficar”.
    Logo que a noitinha chegou, o fandango começou, pandeiro, gaita e violão e o galpão ficou cheio, a poeira levantou e Telo foi logo tirando Amália para dançar uma marca, foi duas, três e logo se enamoraram e o amor ali nasceu.
    Se achegou na mesa dos pais, e pediu para namorar em casa, pois disse que tinha sérias intenções com a moça.
    O pai da Amália, desconfiado e matreiro, chamou a filha mais nova e mandou ficar de olho no tal de Telo, que dançava com Amália.
    Quando chegou perto da Meia-noite, Telo falou que tinha que ir embora, pois sua casa era muito longe, e precisava chegar nela, lá pelo amanhecer.
    Prometeu visitar seu novo amor, mas precisava partir. Amália então acompanhou seu novo amor até a saída.
    Amália então diz:
    - Telo, cuidado com este corredor nesta escuridão!
    - Escuro é apenas a ausência da luz, ando como se fosse dia.
    - Não meu amor, na ausência da luz, almas sem ela, saem dos seus túmulos.
    - Capaz guria, isso é conversa de galpão.
    - Não é não meu amor, a mulher do cemitério gosta de pegar os andarilhos que andam a cavalo, ela é a própria morte, se tocar em ti, tu cai duro.
    - Onde tu ouviu essa bobagem.
    - Tu chama o LOPES, te agarra com ele, pois ele protege os tropeiros, andarilhos, estradeiros que andam pela noite naquele corredor, promete?
    - Sim, se isso te faz bem, prometo.
    Na despedida um beijo esperado e imaginado, quando o beijo é bom, é sinal que o amor vingou e como foi bom. Pois um calor subiu pelo corpo de Telo, que naquele instante Amália seu coração roubou.
    Assim ele partiu e já sentia saudades.
    Montou no seu tordilho e galopou no meio da escuridão, quando um amigo gritou:
    - Cuidado meu amigo, não devia partir por essa estrada, espera amanhecer, hoje não tem lua. – Falou Geremias.
    - Não posso, pois meu tempo já é pouco e estou atrasado.
    - Mas a Seca de Branco lá do cemitério vai aparecer hoje, pois já pegou dois que desapareceram. O Timóteo morreu lá perto e o corpo só foi achado dentro do cemitério um mês depois, o Jose Elias só acharam o cavalo. Não vá homem, hoje não tem o clarão da lua e ela adora noites escuras. Quem tem juízo não passa de noite por lá.
    - Bobagem, não existe Seca de Branco, isso é invencionice do povo.
    - Não é não! – Falou apontando o dedo para o escuro da estrada lá da porteira. – A seca era uma bruxa, é a própria morte. Foi morta por dois tropeiros bandidos que estupraram e mataram ela a mingua. Antes dela morrer, ela prometeu que tropeiros que passassem por ali, ela ia matar.
    - Crendice, vou lá. Abraço Geremias.
    Penetrou no corredor estendido no meio da escuridão, um breu e ele seguiu no trotezito, assobiando um xote e pensando no seu amor, vinha em sua mente o sorriso de Amália, o gosto dos seus lábios, o brilho do seu olhar.
    De repente a luz fraca das estrelas mostrou no horizonte, o contorno da coxilha, a silhueta do cemitério, lembrou da da Mulher Seca de Branco e escutou um guincho estranho, era um grito agudo que gelou sua alma, percebeu que uma luz estranho saiu do cemitério, era uma névoa de luz tênue, que dançava e descia a coxilha em sua direção.
    Ele apurou o trote, a luz dançante se aproximava, vinha rápido, pelos seus cálculos ela ia chegar no corredor logo ali adiante. Cutucou com as esporas a virilha do tordilho, que galopou, mas a luz azulada, também apurou, como se soprada por uma golfada de ar.
    Logo pode ver se tratar de uma mulher de branco, um ser cadavérico ela logo chegaria até ele, então galopou na tentativa de passar por ela, ela flutuava bem na altura dos seus olhos, no lugar dos olhos dois buracos e duas brasas de fogo, era uma caveira com cabelos brancos esvoaçantes, ela queria montar na sua garupa, um calafrio e o pavor chegou, ouviu os dentes bater perto dele.
    Seu cavalo começou a cansar:
    - Vem comigo, tropeiro, vemmmm! - o cavalo diminuiu o galope. Telo então viu um pontinho branco, então percebeu se tratar do Túmulo do Lopes, um túmulo Branco, na beira do corredor.
    Lembrou então do que Amália comentou: - Pede ajuda para o Lopes, pois ele protege os andarilhos do bem.
    Gritou:
    - Lopes, por favor me acuda dessa alma penada!
    Quando o espectro tentou envolver Telo pois estava prestes a sentar na sua garupa.
    De dentro do túmulo saiu uma fumaça e alguém saltou por cima dele em direção daquele ser cadavérico que guinchava e batia os dentes e Telo só ouviu uma voz dizer:
    - Segue teu caminho, vai e não olhe para trás.
    Telo cutucou seu tordilho com as esporas e com o canto dos olhos, viu o vulto do Lopes, lutando com a alma penada, o cavalo deu um salto e desta vez galopou em disparada.
    Depois de trinta minutos aliviou o galope e num trote manso, o descrente Telo, prometeu para si mesmo, nunca mais viajar pela noite nas estradas do Passo do Ivo. Aliviado e agradecido ao santo estradeiro LOPES.
    Quando Telo passa pelo Túmulo, sempre é dia e sempre desce, acende uma vela, reza uma oração, agora é santo de sua devoção e depois segue, logo adiante passa pelo cemitério na coxilha, mas está tranquilo, pois está sobre a proteção da luz do sol. Lembra da frase da Amália:
    “Na ausência da luz, as almas sem luz aparecem”.
    Vai para a estância trabalhar, depois vai namorar, é perto. Amália seu amor mora num ranchinho, e ela sabe quando ele vem, fica na frente esperando o seu amor.
    Sem esquecer que foi Amália que disse: - Chama o Lopes, o santo dos Estradeiros!
    Telo casou com Amália, e se hoje tu passares lá no Passo do Ivo, e ver o Túmulo do Lopes, pintado bonito, florido, saiba que o Santo Estradeiro, na certa atendeu mais um pedido.
    A riqueza da literatura de um povo, é conservar sua história, lendas, causos, crendices. Viva São Gabriel e sua rica literatura, com histórias, causos, lendas e assombrações.
    Sem esquecermos que atrás de toda lenda, tem uma fato acontecido.
    Na versão de Beraldo Lopes Figueiredo
    Baseado no Livro LENDAS, CAUSOS E ASSOMBRAÇÕES – da Coleta feita por Osorio Santana Figueiredo.
    Fonte: Prof. Beraldo Figueiredo
    Fonte : Pampa sem Fronteira

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