Sol, sol. Noite, noite. Na colina de Taizé (França), vozes unidas cantam, em muitas línguas, sem parar, sintonizando o amor que o místico Roger semeou.... Outras manifestações buscam o equilíbrio da mente e do corpo, como yoga e Gestalt-terapia, com pedras aquecidas na base da coluna vertebral e casas equilibradas com harmonização Feng-Shui, com eneagramas de personalidade, método que pratico desde El Escorial, Espanha, meditando com fios de fumaça de sândalo. Isto traz benefícios e indica o caminho à antiga aspiração: como responder à vida?
Algo grita para nos dar conta do consenso que se diz certo em nossos dias: afasta-te de energias negativas, não te envolva em conflitos e situações que sugam a própria essência! O correspondente: toma distância de certos lugares, pois ali se ouve o socorro de quem precisa, melhor, mude-se para o vale do ”portal de cristal”, lá está a paz, a “conexão”, o contato com a natureza e todas as vibrações do universo. Estes pensamentos arrastam. No passado legiões de camponeses e guerreiros foram guiados por um princípio fanático: tomar posse de Jerusalém. Quem sabe celebrar a vitória ao lado de partículas do Signo Crucis, como se Jesus estivesse lá parado, esperando para abraçá-los e ser adorado. As “relíquias” de Jesus eram os corpos de mulçumanos e cristãos enterrados no caminho e nos muros de Jerusalém. Mas era possível celebrar, mesmo no deserto, unindo as mãos, alcançariam o espírito da “Última Ceia”, até... Em outras palavras, a linguagem do amor que proferimos em orações à luz de vitrais de capelas ou diante de um altar, não pode ser diferente da linguagem que utilizamos depois na mesa da refeição.
Às vezes acreditamos que a melhor forma para elevar a alma e encontrar a seiva da vida interior é ser como um mestre que anda nas encostas das montanhas, lendo escritos, distante. Não basta. Se o mestre suplicar aos céus e olhar com ternura para a planície, estabelecerá entre o céu e a planície uma claraboia brilhante por onde descerão em chamas os cavalos de Elias (2 Rs 2, 11ss.). Andarão ao seu lado, puxando um arado de bronze, conduzindo a fonte de água cristalina do topo da montanha até o vale seco para as mães lavarem as mãozinhas de seus filhos amados. Depois, deixará os cavalos correrem nos campos verdes onde os nativos dizem que contemplam corcéis negros galopando sobre as águas do rio. Existem situações sem saída, no limite da vida. Este é um caminho; através da nuvem cinza se alcança o azul infinito, a liberdade plena.
* Amazônia. Chamou-me a atenção os gestos de um professor do 4º ano primário de uma escola da rede municipal de Benjamin Constant. No primeiro dia de aula, após as férias, o professor notou alguns alunos chamando um colega de “louquinho”. Por isto o estudante não conseguia progredir nos estudos, ficava atrapalhado. Havia uma dor incompreensível em seus olhos. Numa destas tardes, no intervalo, o professor viu o menino no pátio da escola abraçando seus colegas, de modo original, diferente. No final da aula o professor ficou com Raimundo na sala para dizer que admirava sua atitude de carinho, jamais vistos na escola, e que esquecesse a ofensa dos colegas. No dia seguinte o professor deixou o giz em cima da mesa e continuou o diálogo com todos sobre o que realmente estava acontecendo. Falou também com os pais, que ajudassem a escola e seus filhos. Algo mudou. Alguns estudantes começaram a se abraçar no pátio da escola, seguindo o exemplo de Raimundo. O desgosto na escola não é a nota baixa, a reprovação de ano, mas quando existe conflito entre os alunos, professores, pais. Os piores criminosos, as verdadeiras armas são a ofensa, a provocação, o deboche. O revolver, o dedo no gatilho, é consequência desta realidade presente na comunidade educativa, vestida com imitações de filmes violentos. Se todos agissem como o professor e os pais, se escolhessem bons filmes, se todos se abraçassem não teríamos suicidas e mortes nas escolas.
** Conheci uma aluna cega no curso de fisioterapia. Estudou o conteúdo das aulas de Humanismo e alcançou a nota mais alta. Com certeza realizará um bom trabalho ao atender seus pacientes.
*** Um turista saiu para encontrar aventuras em templos e igrejas antigas da Europa. Na Espanha ficou encantado com algumas cruzes e as comprou. Comprou três lindas Cruzes de Caravaca. Uma prateada e duas douradas. A primeira lhe tinha sido a especial, signo de mistério e poder, em toda sua caminhada. Parece que ela funcionava realmente. Ao retornar para o seu país, arrumaria um altar para colocá-la. Quando chegou para rever seus familiares, sentiu que algo não estava bem. O clima na casa havia mudado, estava pesado. O tempo era de discussões e brigas. É quando os filhos colocam em jogo este motivo a seu favor: bem, já esta na hora do ônibus, não posso voltar cansado. O jovem turista ficou. À noite, rezando, olhando para sua cruz prateada pediu ao Senhor que voltasse seus olhos para sua casa. Que aquela dor passasse para ele. Que ele a assumisse Antes do anoitecer permaneceu logo tempo conversando com seus pais. Na alta noite colocou sua cruz prateada em baixo do travesseio. Ao acordar percebeu uma claridade na sala, uma singela luz, chegando até o sofá, cintilando na cruz prateada que contemplava agradecido. Ao partir, deixou sua cruz. Sua mãe colocou-a em cima do bidê do dormitório, com o retrato de toda família. A outra cruz deu para seu irmão. Ficou com a última, a que comprou em promoção, uma dourada, o anjinho da direita que ajudava a sustentar a cruz estava sem asinhas.
Aos poucos aprendemos a acreditar em nossos próprios ossos, na carne profunda. Entre luz e sombra existe algo intenso, como o encontro da noite com pétalas alvas caídas ao chão, do sol com a rosa. Que em certos momentos, o alcance da elevação espiritual mais intensa não está no caminho luminoso, quando escutamos músicas de revoadas frescas de asas de anjos ao nosso redor. Alegre-se, pois um anjo pode estar ao seu lado e te defender, abrir a porta da prisão, apontar o caminho ou mesmo você pode ser um irmão entre eles e o povo. Porém, em certo momentos, o caminho de luz se encontra através do caminho do medo, quando colocamos em risco a própria alma, lutando sozinho com um demônio. Cuidado, alguns se transformam em demônios sem possessão. São fortes. Passam ano a após ano cometendo atrocidades criando uma sociedade em forma de triturador gigante. Continuam fortes até serem impedidos (...) enquanto nos campos de concentração muitos inocentes morreram com “pijamas listrados”; muito se escuta: ele está com um demônio. Não é. É porque perdeu o emprego, foi explorado e insultado indignamente, vítima das tramas injustas, morre ao afrontar o triturador gigante, buscando sua liberdade e a dos outros.
Muitas vezes nos chega a notícia: “Faleceu hoje... (Billie Holiday, Elvis Presley, Elis Regina, Ami Winehouse...) Tudo indica que foi por overdose, cocktail de substâncias tóxicas...” Continua o plantão fantástico: “Senhoras e senhores: o mundo está de luto”. Que mundo!? A verdade dói quando perguntamos: por que seu amigo o abandonou? Os seus fãs? O que aconteceu com os pais dos jovens drogados da Cracolândia da cidade de São Paulo? De modo especial deveriam perguntar-se a si mesmos, às companhias de cinema, à imprensa e ao Ibope - metáforas de anjos e demônios.
Parece que estamos na contramão do mundo, dividido entre o céu e terra, entre o puro, o abstinente e o pobre do viaduto, o encarcerado, os cegos, os anencéfalos, pois dizem que foram deixados por Deus. Serão deletados do planeta. Existe uma torrente que arrasta as pessoas, mas se nos dermos conta, existe algo no espaço em branco entre as letras, para além da pele do mundo: (...) Daniel e seus dois amigos dançaram no fogo louvando as obras do Senhor no meio da brisa fresca trazida por um quarto homem. Era um anjo enviado (Dn 3, 1-30); Saul ao entrar numa gruta caiu nas mãos de Davi. Quando existe vingança de ambos os lados, qualquer caminho é enganoso. Porém, nas encruzilhadas, o mundo pode mudar. Ao largar a espada por terra, Davi anulou o antigo provérbio: Dos ímpios sairá a impiedade. Saul fundou novo presságio: Quem é o homem que, encontrando o seu inimigo, o deixa ir embora tranquilamente? (I Sm 24, 3-21); Edith Stein demitida por uma Universidade, presa nas redes do poder, alcançou sabedoria no Carmelo e santidade no martírio, confiando, com phänomenologie e Cruz.
Ao confiarmos e contemplarmos profundamente, nos libertamos de males e temores, do veneno, como mostrou Moisés: para os picados, o antídoto da cura se consegue contemplando a própria serpente em forma de bronze pendurada em vara erguida no deserto (Nm 21, 7-9); no sofrimento e na noite escura, unimos as peças, anjos sem cabeça, iluminamos penumbras de antigas igrejas, restitui-se o mosaico, também em outros quadros, quando a alegria e a bondade se tornam a matéria prima para modelar a figura de sua beleza e de sua festa – acendendo para sempre o amor com que foram criados; nos libertamos da mentira e das armas, dos muros e do fogo, da cegueira, e endireitamos o olhar para vermos coisas ainda não vistas, de outro mundo, neste mundo, como revela um poeta de nome esquecido: Caminhando exausto no meio da multidão no final do dia, encontrei um olhar, e neste olhar eu descansei.
Somos uma mistura de luz e barro, moldados aos poucos nas mãos de Deus até nos assemelharmos à sua imagem. A sua imagem a vemos através de suas mãos. Então imaginem.... Mais pessoas contemplando pessoas na areia do mar, com fome de justiça, de pão, da paz verdadeira. Passarão pela tempestade e encontrarão o céu azul, admirando a espuma branca do mar estalando no bronze da proa do esplêndido barco. Ao anoitecer à beira mar cearão com peixe e pão assados, com alface, azeitonas, arroz e enfeites de vasos de flores... canções com brindes e abraços, com o Ressuscitado que celebra em nós uma festa sem fim, como falava Santo Atanásio. Portanto, Buscai primeiro o Reino de Deus e tudo mais vos será acrescentado (Mt 6,24-34).
Mística - Edson Hüttner
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