Meu Corisco – Saudades
Era um domingo quando cismei de visitar um tio em Bom Progresso, cidade vizinha a 12 km da nossa casa. Aos costumes, após o almoço encilhei o Corisco, ele com idade além de mim, treze anos. Ainda lembro do pai gritando da janela, antes da sesteada: - Ponha o chapéu de barbicacho, piá, que o sol está queimando.
A sensação de liberdade se quebrava quando, volta e volta, tropeçava ou pisava em falso ao empedramento do estradão, este patrolado a poucos dias, principalmente nos atoleiros e nas pistas lisas demais. Ao tranco, por vezes a trote, ia cantarolando melodias do Teixeirinha. Foi depois de Bela Vista que se deu o mote, numa reta de chão batido, terra vermelha. Ao agito das rédeas o petiço, em vez de apressar o trote, por conta própria iniciou o galope, e em disparada fomos semeando poeiras estrada afora.
Não deveria tê-lo feito! Se antes já mostrava manchas de suor, vi sua pelagem zaina tornar-se picaça junto ao pescoço, pelo corpo inteiro. Deixei que corresse, o que fez por mais de quilômetro, quando então reduziu para um galopito, e reduzindo ao tranco... parou! Sim, meu Corisco parou. Mesmo sem entender direito apeei num upa, puxando-o para a beira da estrada. Ele abriu as pernas para se equilibrar, parecendo tonto e desnorteado, emendando um tremelico assustador. Tentei levá-lo à sombra de um cinamomo junto a tapera próxima, mas ele parecia estaqueado. Acariciando seu pescoço tentei animá-lo, tentando decifrar seu olhar, pois me mirava como a pedir ajuda. Enfim conseguiu dar uns passos e, puxado pela rédea fizemos a meia milha restante até o destino.
A vida campesina tem lá suas surpresas! Ninguém em casa, pois visitaram parentes, soube depois. Ofereci água que bebeu, sedento. Deixei-o à sombra de um abacateiro, entre preocupado e desolado. Quando novamente dei atenções para meu amigo, outra surpresa: estava literalmente sentado pela anca traseira, as mãos fincadas ao solo, tipo forquilha. Depois deitou de lado. Estimulando por mim, mais de hora depois levantou-se, e caminhando trôpego fomos retornando, chegando já noite escura e sentindo-me culpado, escolhendo palavras para contar o sucedido.
- Isso é hora de chegar em casa, filho? Ao que emendou pequeno sermão. Quieto estava e assim fiquei. Antes de me deitar ainda espiei o Corisco porteira adentro. Encontrei-o a rolar pelo chão, mostrando assim estar superando nossa aventura. Depois se foi ao pasto. Ufa!
Anos depois um gaúcho, profundo conhecedor da vida animal explicou-me, num linguajar campeiro sulino, que meu petiço estava “Aguachado”, não adelgaçado, e assim despreparado para percorrer distâncias maiores. Se tivesse sido amilhado, com certeza nada teria acontecido. Soube ainda que o Corisco foi campeão em muitas carreiras, e que seu nome nasceu nas mesmas canchas retas. Ao instinto pensou ser o momento de espichar as patas, ou ainda naquele dia sentiu saudade, de jeito a mim, ao recordar minha infância.
Humor: Um premiado jóquei recebeu um cavalo novo do seu treinador para, sem treino algum, participar de uma corrida com obstáculos, e orientou: - Ao chegar num obstáculo, grite ‘ALEOO!’ próximo da orelha dele. Fazendo isso você ganha a corrida”. Pensando ser bobagem não gritou e o cavalo levou tudo por diante, sem saltar. Levantaram e seguiram até o segundo obstáculo, quando então cochichou: “Aleeoo!”. E foi outro tombo, em idêntica cena.
Irritado, no terceiro obstáculo cumpriu a ordem num grito estridente: ‘ALEEEOOO!’. Incrivelmente o cavalo saltou aquele e todos os demais, mas devido aos tombos anteriores chegaram em terceiro lugar. O irritado treinador: “O que aconteceu de errado?”
- Ah, nada de errado comigo! Mas porque o senhor não falou que, além de meio surdo, era cego?