Vivandeira em francês significa “Vivandière”, ou seja, a mulher que vende ou leva alimentos seguindo as tropas em marcha.
Elas começaram atuar na época das guerras e movimentos armados dos exércitos de Napoleão onde essas mulheres seguiam em marcha acompanhando seus cônjuges, parentes e amantes servindo-lhes com alimentos, água e munição.
Nesses anos insanos da Guerra do Paraguai, 11-11-1864 até 01-03-1870, que foi um verdadeiro genocídio essa campanha bélica onde, na faina de matar, morrem mais de 300.000 pessoas, a presença das Vivandeiras foi marcante, pois seguindo na retaguarda do exército serviam com mantimentos nos acampamentos sendo cozinheiras além de outros afazeres que veremos no decurso deste texto.
Abro um espaço aqui para registrar o nome de pessoas, homens, da nossa comunidade que fizeram parte dos contingentes ligados às guerras e revoluções. Na Revolução Farroupilha participaram estes bossoroquenses: Florêncio Sanábria Flores, João Cunha da Silveira, Jacinto Antunes Pinto, José Fabrício da Silva, José Joaquim Assunção.
Cabe ressaltar que na Guerra do Paraguai participaram os bossoroquenses: Elisiário Nascimento, João Luiz Nascimento, José Gonçalves de Oliveira e Luiz Gonzaga Nascimento.
Daqui de Bossoroca na Revolução Federalista participaram João Cunha da Silveira Sobrinho, Jacinto Martins da Rocha, João Luiz Nascimento, José Francisco Ferreira, José Martins Pinto, Manoel Antunes Ferreira (irmão do meu tataravô) e Porfírio José Pereira.
Na Coluna Prestes, que eu lembro agora, participaram Gaspar Nascimento, Laurindo Pinto, Luiz Fagundes e Alfredo Ferreira Aquino, que era comerciante em Bossoroca e na Coluna foi enfermeiro. Na marcha em que ele fez junto à Coluna, ao longo do percurso, o senhor Alfredo Ferreira Aquino teve 722 (setecentos e vinte e dois) afilhados.
Já na Segunda Guerra Mundial os bossoroquenses que foram para a Itália são estes: Cícero Cavalheiro, Elautério Melo, Euclides Antunes Pereira, Eugenio Martins e Nicanor Rodrigues.
Voltando-me às Vivandeiras, elas cuidavam das roupas dos militares, eram enfermeiras que acudiam os feridos, providenciavam remédios basicamente da flora, amparavam os doentes, satisfaziam desejos sexuais. Outras, mesmo contrariadas, iam na vanguarda pois forjaram-se revolucionárias que pegavam em armas lutando de igual para igual e, muitas vezes, prestavam conforto moral e ainda choravam a morte de seus companheiros e amigos nos palcos formidáveis (espetáculos de horror) dos campos de batalha.
Imaginemos muitas Vivandeiras ainda meninas, recém-adolescentes, que entregaram-se aos oficiais de mais idade. Outras sofreram estupros, abusos, desprezos de toda ordem e outras ainda eram prostitutas e não tinham em contrapartida o mínimo respeito à sua dignidade e seus valores internos como ser humano dotado de corpo e alma devido a cultura e o modelo patriarcal da época.
Apesar de tantas Vivandeiras ter ficado no anonimato na Guerra do Paraguai, eis aqui algumas que figuram com seus nomes na história: Maria Curupaiti, Joan Rita das Impossíveis, Florisbela, Ana Néri, Sargenta Jovita Alves Feitosa, Maria Vareta, Maria Francisca da Conceição.
Durante a Coluna Prestes que começou na missioneira São Luiz Gonzaga – RS em 28 de outubro de 1924 e estendeu-se até 03 de fevereiro de 1927 na Bolívia, nessa longa marcha sob o comando do “Cavaleiro da Esperança”, Luiz Carlos Prestes num percurso de 25.000 km, sabemos que, por longo período, houveram presenças femininas nessa jornada onde também não tinham pleno reconhecimento pelo comando da tropa. Sabe-se que em vários casos eram as Vivandeiras que faziam o serviço hediondo, horrendo, de exterminar com os prisioneiros geralmente pela degola. Algumas vezes como prêmio algumas dessas “coitadas” numa espécie de sorteio eram “premiadas” para uma noite de sexo com o inimigo para, depois, num descuido matá-lo a golpes de arma branca.
Estas foram algumas das Vivandeiras da Coluna Prestes: Ai Jesus, Albertina, Amália, Anna Alice, Alzira que tinha o apelido de “Generala”, Cândida, Chiquinha, Cara de Macaca, Chuvinha, Ernestina, Emilia Dias, Elza, Etelvina, Eufrásia, Gaúcha, Gorda, Hermínia, Honorata, Isabel Pisca-Pisca, Lamparina, Letícia, Maria Emilia, Maria Revoltosa, “Onça”, Ótima, Santa Rosa, Tia Manoela, Tia Maria, Xatuca.
No chamado sistema da ordem patriarcal as Vivandeiras eram menos conceituadas que as chinas que desconsiderou, interditou e marginalizou a importância e a valorização do papel dessas mulheres no apoio às bases de sustentação das guerras. Basta vasculhar a história e vamos notar um silêncio, um hiato onde as Vivandeiras eram vistas como seres de posição inferior, marginal e raramente vamos encontrar honrarias, medalhas, estátuas, referências dignas de reconhecimento nos anais da história sobre a missão que elas tiveram no teatro das batalhas onde muitas viveram atrocidades de toda ordem, até mesmo inanição (debilidade extrema pela falta de alimentação), morreram sendo parceiras incondicionais nessas causas doloridas que a guerra, na sua força motriz, fez e trouxe consigo.
O fato é que as Vivandeiras que foram andarilhas, esposas, mães, comerciantes, guerreiras, enfermeiras, companheiras, amantes, prostitutas, muitas vezes consideradas más e inferiores lutaram no front como combatentes de guerra, sentiram no corpo e na alma as agruras da luta sem piedade e sem dó nos combates encarniçados, foram destemidas, corajosas, determinadas, tiveram bravura, abnegação e heroísmo. Elas viveram hostilidades e crueldades e sentiram provações físicas e psicológicas. Muitas delas sabe-se delas apenas o apelido, outras ficaram nas entrelinhas, no anonimato e morreram no esquecimento salvo raríssimas exceções. Este assunto serve para uma larga e consciente discussão, carece de mais pesquisas e justiça com bastante aprofundamento, pois são merecedoras de uma epopéia pelo protagonismo feminino.
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