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16/09/2018 19:19


ONDE MORA A HISTÓRIA Crônica de Mário Simon

        Em São Miguel, o das Missões, a história não quer ir embora. Lá, diferente de outras cidades, a história aconteceu e, por encanto misterioso, ficou ali. Mesmo com a urbe expandindo-se em belas e arejadas avenidas que vão pedindo cancha para o progresso, mesmo com as modernas casas de cores joviais, mesmo com os confortáveis salões para pousos luxuosos, a história está enfeitiçada naqueles recantos.
        Nada! Você desvia os olhos para a larga praça alcatifada de verde e, ela, a história, está bem ali, descansando, à noite, no abrigo das pedras talhadas, e saindo, de dia, para as ruas, para os pátios, para as praças, bem à luz do sol ou no frescor das chuvas. E você pode vê-la ora visível nas faces das casas, ora nos muros dos quintais, já nas flores que colorem as ruas, já nas promessas do futuro, quer nos espetáculos da antiga praça das rezas, quer no coração pulsante das salas de aula. 
Quem te viu, São Miguel, e quem te vê! Quem te viu dolorosa no abandono de séculos, e quem te vê brotando em vida, vestindo a roupa de nosso tempo! Quem te viu pedinte, e quem te vê somando riquezas de metro em metro sobre o terreno de tantos sonhos abortados. Quem te viu um monte de pedras esquecidas, e quem te vê guardando  as mesmas pedras como precioso tesouro. Ah, sim, era esse o tesouro dos padres, e não sabíamos.
        Sim, a história nunca foi embora de São Miguel. Não fosse assim, como explicar essa magia capaz de ressuscitar do fundo dos séculos o cacique e o padre para fazer companhia ao anjo guerreiro? Vejam, eles estão lá, de olho na estrada, cuidando quem chega em busca da São Miguel da índia Lindóia, a Julieta das Missões. Eles estão lá num misto de boas-vindas e prontidão de guarda, imponentes no portal miguelista. Como foi isso? Bastou ao Michelangelo dos pampas, Tadeu Martins, enterrar as mãos na massa para dar vida à areia e ao ferro que o “gênio das Missões” fundiu? Não, a história não foi embora! Ela brota e rebrota no leito longo do tempo, com outros matizes talvez, mas prenhe da mesma seiva de que foi feita a alma de um José Tiaraju, de um padre Lourenço Balda, ou de um guarani desconhecido. 
        Podem mesclar-se as formas, como se misturam as águas, como se juntam as pedras no fundo dos rios. Da arte que imita a arte nas mãos hábeis do artesão até a mais afinada orquestra que a velha catedral já abrigou em sua sombra; do pintor humilde que teceu as pedras da torre na canção das tintas ao cantor famoso que arrastou multidões, não importam as diferenças porque não as há. Todos são movidos por essa história que não quer partir, como partem as almas, como se vão os ventos, como desaparecem as nuvens.
E se ela, a história acontecida, não privilegiou o irmão menor, aquele que acreditou nos pajés de sotaina negra, aquele que respondia “amém” o tempo todo, por incrível, é a única peça viva de um tempo heróico. E viva permanece neles a lição eterna do maior anseio humano, a busca permanente de uma “Terra sem Males”. Talvez seja essa a maior herança da história que não quer ir embora e que floresce, insistente, em cada vinco das pedras de São Miguel.    
         Foto Igreja e cemitério de São Miguel - 1960
Autor Mário Simon Academico Professor e Escritor 
Cronica: Cruz Missioneira ou Cruz de Santo Ângelo?
Site: Natal Cidade dos Anjos 2014 
Site: Natal Cidade dos Anjos 2015 
Site: Natal Cidade dos Anjos 2016 

Notícia: Ritual da Lua Cheia 
Notícia: 15º ACAMPAMENTO DA POESIA DE ENTRE-IJUÍS 2016
Notícia: Uma Viagem Pelo Imaginário das Missões 

Texto Roteiro de Morte E Vida De José Tiaraju, 2015;
Texto Roteiro Lindoia, a Índia de São Miguel 2016

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