Desde criança eu tive gosto pela nossa autêntica música missioneira mesmo sem entender, naquela época, o que isto representava. Me criei ouvindo rádios de pilha, principalmente, através das emissoras São Luiz, Santiago e Serro Azul. O ritmo, a sonoridade e o jeito particular de Noel Guarany com seu violão sempre me cativou e me despertou atenção. Naquela época de grandes artistas como Teixeirinha, José Mendes, Gildo de Freitas e Os Bertussi entre outros eu me perguntava: como é que pode este homem, Noel Guarany, cantar e encantar acompanhado somente do seu violão?
Um dia eu conheci o Noel Guarany . Lembro-me que ele vestia uma bombacha branca e estava com a sua boina. Isto foi final da década de 70, foi assim que eu o vi em Bossoroca: ele caminhava lentamente entre o Edifício Dutra e a Estação Rodoviária e parecia estar meditando, pois olhava por cima dos telhados das casas como alguém que buscasse, da sua terra adotiva, inspirações para compor versos e músicas.
Mais tarde, se não me falha a memória, no ano de 1982, lavei a alma ao vê-lo cantando ao vivo numa das edições da Mostra da Arte Missioneira, em São Luiz Gonzaga.
Meu encanto pela obra do Noel foi aumentando e isto se tornou mais intenso e mais gostoso, pois vinha de um pajador que era nosso conterrâneo; irmão do mesmo chão colorado das voçorocas de onde eu nasci.
Um dos aspectos ímpares do Noel que eu considero é que ele nunca negou suas raízes e nunca se omitiu em dizer que era de Bossoroca, numa época em que dizer que era bossoroquense, era motivo de risos, piadas e tolas brincadeiras. No entanto ele, juntamente com Jayme Caetano Braun, foi disseminadores do nome e da identidade da nossa terra através das suas poesias e canções.
Houve um tempo em que eu viajei pelo Rio Grande do Sul afora. Nesses anos, a trabalho, visitei exatamente 276 cidades do nosso Estado. Eu também, com orgulho, digo que sou bossoroquense. Há, indubitavelmente, pelo Rio Grande afora, uma curiosidade em muitas pessoas em saber como é Bossoroca e como são as Missões e porque Bossoroca e São Luiz Gonzaga são tão cantadas em versos. Tenho certeza que um dos motivos refere-se àquilo que o Noel e o Jayme semearam e a coisa foi ganhando corpo.
Há os que falam que o Noel era um “homem de pavio curto”, temperamental, polêmico, de personalidade irreverente. Não sei, pois conheço muito pouco da sua vida particular. Sei de um Noel gigante, “o cantor da Bossoroca que cantava com galhardia”, de inúmeras virtudes, “genial e genioso”, pajador e guitarreiro, excelente intérprete e um músico incontestável com belo timbre de voz, um excelente instrumentista onde os seus dedos nas seis cordas pareciam corcéis indomáveis em pleno escarcéu soltos ao campo aberto, um compositor de extrema sensibilidade. Por sua proposta única, por seu projeto pioneiro é que eu o considero o maior cantor daqui das Missões e um marco da nossa música, sem falar, é claro, daquilo que ele representa para a música latino-americana onde o pajador deixou o seu rastro.
Quem como eu aprecia a obra do Noel sabe que ele compôs, cantou e soube representar, de modo autêntico, a memória dos guaranis e tudo o que envolve o meio ligado ao gaúcho interiorano simples e as nossas raízes com pleno respeito para com a nossa arte missioneira. Penso que não conheço ninguém que levantasse bandeiras e que fosse igual ao Noel em termos de coerência dentro da sua proposta musical, do seu estilo próprio.
Ele também, pregando a nossa identidade e liberdade, não teve medo de denunciar, de dizer verdades quando sofreu repressão ao combater os deturpadores da nossa música, os alienados e os sem cultura musical própria. Noel era assim, parece-me que nunca cortejou os homens influentes.
Conheço um pensamento: “Tudo o que é grande morre no homem, mas não morre na arte.” É por isso que eu sei que a obra do Noel Guarany é eterna, há de perpetuar-se no tempo, ser referência e fonte de inspiração para os seus sucessores na arte, ou seja, os que gostam de identificar-se com as nossas origens, com a liberdade, de mostrar a nossa identidade, de levar no peito o sentimento grande de pátria e querência, os missioneiros de corpo e alma!
Portal: Escritor João Antunes poeta, historiador e compositor
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Site: Monumento Noel Guarany
Site: Memorial Noel Guarany
Site: Os Quatro Troncos Missioneiros
Site: Pedro Ortaça
Site: Noel Guarany
Site: Cenair Maicá
Site: Jayme Caetano Braun
Site: Casa Noel Guarany
Vídeo: Jorge Guedes Canta Noel Guarany
Vídeo: Memorial Noel Guarany