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25/01/2018 12:33


Ritual da Lua Cheia

A Lenda da Pitangueira do Ijuí-Mirim
- “Nas proximidades da cascata do rio Ijuizinho, ao sul do município de Entre-Ijuís (RS), existe uma pitangueira muito antiga. Conta a lenda que, nos tempos das Missões, em São João Batista, uma jovem índia foi proibida de amar um belo moço guerreiro, porque os padres haviam prometido o índio a outra mulher, filha de um cacique. No dia do casamento deles, desatinada por perder seu amor, entrou à noite na igreja e furtou a imagem do Menino Jesus que estava no colo da Virgem. Descoberta por alguns índios, ela fugiu na direção dos matos, e veio se ocultar à beira da cascata do rio Ijuí Mirim. Os padres, furiosos, colocaram todos os guerreiros atrás da índia. Desesperada, ela se refugiou na mata mais cerrada, onde nem as onças penetravam. Então, os guerreiros colocaram fogo na área para que a jovem índia saísse de seu esconderijo. Toda a floresta ardeu em chamas o dia inteiro, e tombou. As últimas brasas apagaram-se quando no céu surgia a lua cheia. E, para o espanto de todos, iluminada pelo luar, no meio das cinzas erguia-se, sem nada ter sofrido, uma pitangueira. Ao pé dela, a jovem índia estava morta. Mas sobre os primeiros galhos da árvore, a imagem do Menino Jesus, intacta, como as folhas e as pitangas que, por milagre, brilhavam como pequenas luas. 
Desde então, as pessoas que se socorrem das folhas das pitangueiras que nascem nas margens da cascata têm seus males de amor e todos os males da vida resolvidos. 
E a tradição deu o nome de CAÁ YACY-GUASSU NHANDEJARA, para todos os remédios feitos com as folhas daquela árvore, de onde retiramos um galho para repetir, hoje, o Ritual “CaáYacy-guassu Nhandejara” que significa “O chá da lua cheia de Nosso Senhor”. 

O Ritual do Caá Yacy-Guassu Nhandejara
Precisa-se: 
1 – Um galho de pitangueira com folhas tenras, numa cesta.
2 – Um pote para o chá. 
3 – Uma vasilha de barro ou ferro para a queima dos males.
4 – Pequenos papéis e canetas disponíveis conforme o número de pessoas participantes.
5 – Fogo de chão com trempe e uma chaleira onde já ferve o chá.
As pessoas devem agrupar-se em torno ou diante do celebrante, que pode ser uma índia ou índio. Sobre uma mesa, acendem-se as velas, havendo ali um pote para o Caá (chá) e outro para a queima dos males, dos pedidos escritos de despejo de males. 
Os participantes devem ser alertados para que escrevam, neste momento, no pequeno bilhete o nome de algo que não lhe faz bem, ou que quer vê-lo longe, e segurem o bilhete na mão.
(Alguém lê a lenda, enquanto o celebrante está oculto em lugar próximo.)

O Ritual
Inicia-se com o toque de um “bumbo legüero” que anuncia a chegada do celebrante vindo lentamente da escuridão com uma cesta onde está um ramo de pitangueira. Vai até o centro da mesa e, iluminado pelas velas, o celebrante ergue o cesto até a altura do rosto e, ao silêncio do bumbo legüero, recita:

- CaáJacy-GuassuNhandejara. 
De nascimento missioneiro, 
Siete pueblos, siete jujos.
Cruz in Credo na doença
Praga e dorlhe’sconjuro,
Siete chagas, laus sus Crist
Siete fés na mesma crença.

Da marcela ao gervão, 
Três quina e pau ferro,
Louro, cedro ou marmelo,
Ou a casca de romã.
Nenhuma é tão bã
Nem benta vai ficá
Como a folha da pirangá
Colhida pela manhã, 
Tarde ou noite conforme sã.

Mas pra bem logo sará,
Até doença da mais feia,
Principal do coração,
Essa folha de pirangá
Da lua cheia pede a benção.

O celebrante dirige-se, então, para frente do fogo de chão e, com o ramo de pitangueira, traça enorme cruz sobre o chá que ferve ali. Em seguida traça, com o ramo, outras cruzes para o lado direito, centro e lado esquerdo do grupo que assiste ao ritual, abençoando-os, sempre dizendo em cada cruz as palavras mágicas “Laus SusCrist”. 
Retorna à mesa e deposita o ramo na cesta. Volta ao fogo, pega a chaleira onde está o chá, derrama-o na bacia, devolvendo a chaleira ao fogo. Então, ergue a bacia para a lua (para o alto, para o nascente, para o poente, para o norte e para o sul) dizendo:

- Laus susCrist
Tua benção, Jacy-guassu,
Do nascente ao poente
Do norte al sur.

E para bem tudo sará
Té doença da mais feia,
Principal do coração,
Essa folha pirangá
Da lua cheia traz benção.

O celebrante deposita a bacia na mesa, pega o ramo de pitangueira e espera ali em posição de oferta.
Neste momento, um ajudante convida os participantes a virem até o celebrante para colherem uma folha da pitangueira, mergulhando a folha no caá e pondo-a na boca, dizendo antes:
- Laus sus Crist.
 Ao mesmo tempo, deposita na vasilha determinada o pequeno bilhete onde deve estar escrito o nome de uma coisa ou ser ou ação que não lhe faz bem. 
Depois de terminado esse ritual de saúde, o celebrante queima as mensagens na vasilha, toma a vasilha nas mãos, aponta-a para o chão, para o céu e para todos os lados, dizendo:
- Da terra, do céu, dos ares
Livre-nos Deus de todos azares. (Erguendo a bacia para a lua).
Cuide, Jacy-guassu, o despejo dos males,
Afogue a todos 
Nas profundezas dos mares.
  E, com as cinzas, dirige-se até a próxima corrente de água e joga nela, aos poucos, a cinza sempre repetindo:
- Da terra, do céu, dos ares
Livre-nos Deus de todos azares.
Cuide, Jacy-guassu, o despejo dos males,
Afogue a todos 
Nas profundezas dos mares.
Terminado o “despejo dos males”, o celebrante volta à mesa, apaga as velas enquanto rufa outra vez o bumbo legüero, ou cântico ou música, enquanto o celebrante se retira para a escuridão de onde veio.
RITUAL DO “CAÁ YACY-GUASSU NHANDEJARA”® Lenda da Pitangueira do Ijuí-mirim
Esta Lenda do CaáYacy-guassuNhandejara foi coletada e transcrita por, Mário Simon, em julho 1976. Parti de narrativas assemelhadas que ouvi de três antigos moradores de São João Mirim e de São Miguel. A lenda sofreu a adequação das três narrativas sem que fosse prejudicada a sua essência.  
*A lenda integra um “Ritual da Lua Cheia”, com letra e sequências cênicas também elaboradas por mim, como forma para ser apresentada em ocasiões especiais, particularmente em noites de lua cheia.

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