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20/08/2021 10:00


Sabores de João Antunes

SABORES
Ouvindo a música SABORES, do CD Violinha, obra de autoria do consagrado poeta, músico, instrumentista e cantor Sílvio Genro, artista do qual eu sou fã, comecei a me lembrar do ambiente rural, do mundo interiorano, onde eu fui criado e vivi parte da minha vida. A lembrança emocional foi provocando meu olfato e meu paladar e, por isso, nasceram estas linhas para registrar aquele tempo de muita simplicidade da agricultura familiar onde produzíamos alimentos para o nosso próprio consumo numa diversidade de produtos isentos de agrotóxicos e contávamos também com a generosidade da terra e da mãe natureza.
Bem diferente dos tempos atuais onde hoje os alimentos estão repletos de produtos químicos, conservantes, acidulantes, “sequestrantes”, corantes, antioxidantes, aromatizantes, aditivos e tantas outras substâncias cuja finalidade é aumentar a vida dos alimentos, mas que é sabido causam problemas à saúde, naquele tempo, apesar das dificuldades, imperava-se a pureza.
Tínhamos uma roça que depois, pela cultura da época, foi ampliada pela coivara (ramagens a que se põe fogo nas roçadas para desembaraçar o terreno).
Além do tradicional plantio do milho cujas variedades predominantes eram o Catete e o Caiano onde, geralmente, o plantio era feito com saraquá (cavadeira de madeira), que depois de florescidos em espigas os “sócios” que mais nos incomodavam eram os ouriços, as caturritas e as baitacas. Plantávamos sementes de abóbora, de (morangos) morangas, milho pipoca, amendoim. Mandioca, batata doce e cana-de-açúcar. E tinha um espaço para o plantio do feijão preto que, às vezes, era atacado pelos insetos que popularmente eram chamados de burrinhos onde eles eram afugentados através de rezas ao invés de venenos e é interessante que dava certo.
No pátio, além da casa, da ramada e dos galpões tinha uma horta com vários tipos de legumes e hortaliças, o terreiro para as galinhas, os chiqueiros para os porcos e a mangueira.
A água no nosso caso vinha de uma vertente para o consumo humano e da sanga para o consumo animal.
Como não havia energia elétrica não tinha geladeira e nem freezer então quase a totalidade das carnes quando eram carneadas as rezes, as ovelhas ou os porcos eram feitos enormes varais de charques e as lingüiças depois de “oreadas” eram guardadas em latas com banha de suínos onde ali permaneciam durante meses sem arruinar.
Às vezes a carne seca (charques) ou barrigueiras depois de aferventada eram socadas no pilão de madeira de angico.
Carne de ovina secada ao sol inclusive as costelas onde, depois, faziam ensopados com mandioca.
O arroz carreteiro era feito em panelas e caçarolas de ferro.  O queijo de porco era prensado em duas tábuas. Faziam feijão com couro de porco. No lugar dos azeites usava-se banha de porco.
Faziam torresmos, dos ossos (que eram os fervidos) aproveitavam até tutanos nos ensopados, tinha morcilhas feitas com sangue de porco. 
Nas sobremesas quantas vezes apreciei mogango (moranga) com leite, mingau de milho verde também com leite e o leite, na propriedade da minha vó  era refrescado no poço de balde.
Faziam pessegadas e marmeladas, mas o que chamara atenção era que parte dos pêssegos eram descascados e feitos tiras que chamavam de “arigonha” onde essas tiras eram secadas ao sol e depois era feito doce.
Da cana-de-açúcar faziam tachadas de melado e rapadura.
Os doces das cascas de laranjas, para ser melhor conservados, eram guardados nos vasilhames misturados ao melado.
Lembro-me que tinha uma madeira que dava para ralar e fazer doce. Era o caule do Jaracatiá, que nós chamávamos de Mamoneiro.
Minha vó Estefânia também fazia doce da casca da melancia (aquela variedade de melancia casca grossa que diziam que era pra porco), faziam geléias. Tinha pudins de leite, de laranja e de queijo ralado. 
A erva-mate vinha em sacos grandes, me parece, de 25 kg e a erva não era esse pó que vem atualmente. Os pedados de galhos da erva-mate alcançavam até 5 cm e desse material e restos de folhas maiores da erva-mate faziam chá o chamado chá de mate. Faziam ainda café da raiz do inhame que era o café de inhame além do chá de folha de figueira e chá de folha de pitangueira.
A canjica de milho era socada no pilão.
O leite, para saciar o apetite dos piás, lembro-me muito bem disso, muitas vezes, era tirado direto da vaca e, sem ferver, colocado numa canela para tomarmos ainda morninho. Também faziam manteiga, “mu-mu”, “qualhadas” e arroz de leite (arroz doce).
Lembro-me que, por exemplo, no arvoredo da propriedade da minha vó e do meu tio Olmiro Antunes haviam frutas diversificadas destacando-se as laranjas, bergamotas, pêssegos, bananas, marmelos, uvas, “turanjas” (que era uma espécie de laranja com a casca mais grossa, sendo as preferidas do meu pai). Depois, coincidentemente, quando as granjas avançaram até próximo da morada morreu todo o arvoredo antigo e, inclusive, nas propriedades vizinhas.
Na roça tomavam água com pedaços de Quina e de Cancorosa cuja água ficava avermelhada.
Mel de abelha nunca faltava e, às vezes, tinha até mel de abelha Jataí.
Ovos de galinha tinha em abundância e faziam até gemada.
Na mataria próxima da propriedade tinha guavirova, ariticum, pitanga, sete capote, araçá, guabiju e cerejas.
Tudo isto hoje me alimenta a lembrança e eu sinto fome daquele tempo dourado dos produtos puros que abasteceram minha vida no meu viver interiorano em Rincão das Burras - Bossoroca – RS. 
Portal: Escritor João Antunes poeta, historiador e compositor 
Facebook = João Carlos Oliveira Antunes
Bossoroca (55) 9999-42970 joaoantunes10@terra.com.br 
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