A experiência da última década, sob as regras da nova lei de drogas, nos impõe uma reflexão sobre a validade da estratégia adotada pelo legislador em 2006. A ideia de focar a repressão apenas nos traficantes, fazendo uma espécie de vistas grossas aos usuários de drogas, não está funcionando, a considerar a explosão da traficância no Brasil nesse período.
A Lei 11.343/2006 trouxe um substancial abrandamento na repressão aos consumidores de entorpecentes, suficientemente capaz de fixar no entendimento popular que utilizar maconha, cocaína ou crack deixou de ser crime. E não sendo legalmente reprovável seria, por via de consequência, socialmente aceitável, podendo ser consumida à vontade, a qualquer hora, quantidade ou local.
Coincidência ou não, foi exatamente na última década que o tráfico de drogas tomou proporções gigantescas no Brasil, tornando-se um dos negócios mais lucrativos e na mesma proporção violento.
Com o poderio econômico dos criminosos surgiu a necessidade de garantir-se a estabilidade do negócio através da imposição da força, instalando-se uma verdadeira corrida armamentista no mundo do crime. Fuzis de alta letalidade, metralhadoras, pistolas de última geração, passaram a ser instrumentos comuns nas mãos dos soldados do tráfico.
Se alguém esperava que a despenalização dos usuários de maconha, cocaína, êxtase, etc, implementado com a lei de 2006,
não traria reflexos negativos, sobretudo no emponderamento financeiro das organizações criminosas, enganou-se. A brutal disputa por pontos de venda passou a ser objeto de cruentas guerras entre facções, vindo daí, inclusive, o crescimento no número de homicídios na ordem de 25% na última década.
A "lei da oferta e procura" está agindo de forma inexorável na relação usuário/traficante. Por lógica comercial é fácil concluir que o tráfico de drogas só poderia diminuir a partir do momento em que a demanda por entorpecentes caísse. Enquanto o consumo não cair, o tráfico (milionário, perverso e violento) não diminuirá jamais.
Ou seja: infelizmente não deu certo a tentativa de centrar fogo apenas nos traficastes, deixando de penalizar os usuários.
Como no Brasil drogas só podem ser adquiridas na clandestinidade, óbvio que o grande favorecido nisso tudo seriam, como foram, os barões do tráfico.
O cenário atual, sob a égide da Lei 11343/06, que despenalizou o usuário, consegue ser bem pior do que se legalizadas por completo fossem as drogas, cuja venda controlada pelo Estado substituiria a função hoje desempenhada pelos traficantes clandestinos.
Antes mesmo de discutirmos acerca da legalização ou não do uso de drogas, precisamos primeiro tratar de revisar a Lei 11.343/06, sobretudo no que diz respeito ao restabelecimento da penalização dos usuários de entorpecentes, tal como acontecia na alei anterior, medida que certamente minguaria o poderio econômico e o alcance do tráfico ilícito de drogas.
Enquanto, como sociedade, seguirmos achando normal fumar maconha e cheirar cocaína, financiando diretamente grandes e perigosos traficantes, responsáveis, repiso, pela maior parte dos homicídios no Brasil, não vislumbro a menor chance de sairmos do caos que tomou conta da segurança do país.
Não tenho dúvida que esse tema é bastante complexo e espinhoso, e é exatamente por isso que o debate precisa ocorrer de maneira mais intensa, notadamente para que uma estratégia conjunta, unindo governos e sociedade civil, seja adotada com vistas a mais rapidamente possível devolver a paz social aos brasileiros.
UbiratanSanderson
Policial Federal em Porto Alegre
Especialista em Segurança Pública
Lei da Oferta e da Procura Comanda a Explosão do Tráfico