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18/05/2018 09:49


ANAHY DE LAS MISIONES, por João Antunes.

Anahy é o reflexo do espírito do gaúcho, um ser solitário, guerreiro, com grande desapego vagando campo afora em busca de changa (trabalho) e defensor dos limites geográficos. Espirito este que colonizou o Brasil em busca de terra e liberdade.
Ainda Anahy faz-nos lembrar o gaúcho destemido, corajoso, altaneiro no trono do basto junto ao seu amigo inseparável, o cavalo. Anahy traz viva a identidade dos gaúchos que, nas revoluções, guerras e batalhas do dia a dia, são corajosos, amam e lutam por liberdade. 
O filme Anahy de las Misiones, de Sérgio Silva (Anahy significa na língua dos nativos “mulher brilhante, talentosa, bela for do céu”) é uma produção que traz no bojo e na base da sua essência a temática, o elemento campesino e o bucólico do nosso meio rural como elementos fortes, que retratam a identidade deste Estado gaúcho, pois o conjunto de caracteres do sulino brotou da sua ligação à terra, em especial ao Pampa, com inspiração e gosto à liberdade, andar no lombo do cavalo  e ter suas próprias regras. E a imagem desse legado que se expressa no passado agrário é um farol que permanece aceso.
Os filmes que retratam o cenário rural sempre tiveram um público mais elevado. Eu sou testemunha disso na realidade local. De 1965 até 1978, existiu em Bossoroca o Cine Zanotto. Eu trabalhei um ano nesse cinema como porteiro em 1977, quando estava alugado para o senhor Juvenil Antunes de Jesus, o popular Jubão. Lembro-me que em dezembro de 1969, primeira vez em que fui ao cinema assisti ao filme Não Aperta Aparício, dirigido por Pereira Dias e estrelado pelo cantor regionalista José Mendes do qual sou fã das suas obras. O Cine Zanotto abarrotava de gente quando vinham os filmes do José Mendes e Teixeirinha em especial quando eram voltados à temática rural.
Outros filmes, na televisão, foram marcantes na filmografia gaúcha como, por exemplo, Ana Terra, de Durval Garcia; Capitão Rodrigo, de Anselmo Duarte, ambos baseados na obra do imortal Érico Veríssimo. Netto perde sua alma, de Tabajara Ruas e Beto Souza. Também Negrinho do Pastoreio, de Antonio Augusto Fagundes, baseado na obra de Simões Lopes Neto. 
Anahy de las Misiones, uma mulher pobre, é o exemplo típico de um filme que campeia o rastro do mundo e do imaginário rural onde o nosso passado inspirou essa produção que também sintetiza a formação da nossa identidade. 
Anahy, que no filme é Aracy Esteves, com seus filhos, parecem certas aves de rapina que buscam os restos para a sobrevivência, onde trazem consigo um carroção com despojos, os restos daqueles que tombaram na guerra. Vivendo agruras e adversidades ela é uma mulher forte, corajosa, obstinada e, por não ser aquerenciada, é nômade buscando a vastidão do Pampa que vive um momento adverso. 
Anahy é um exemplo de mulher-comandante que, mesmo andarilha, sabe cuidar com afinco e determinação os seus familiares compostos por três rapazes e uma jovem. Anahy exerce forte influência na vida dos filhos e orienta sua filha a viver com roupas esfarrapadas para esconder a sua beleza nos campos de batalha. 
Quando ela bate de relho em Leon faz isto para sustentar o seu poder de mando. Ela não se humilha perante os comandantes pelo fato de ser mulher. O respeito a ela também é prestado em virtude dela ser habilidosa no manejo com a sua faça e sua arma de fogo. Seu vocabulário é forte e incisivo e ela demonstra ser uma mulher assexuada devido as agruras enfrentadas e os predicados bem como sua vestimenta fazem dela uma espécie de mulher respeitada e com personalidade masculinizada. Anahy não aceitou o pedido de casamento de seu ex-amante e nisto ficou evidente que ela prefere a liberdade e sua independência. 
Picumã (a brava morocha) e Luna, que mais tarde engravida de um médico por quem se apaixonou, também nas asperezas da guerra, mesmo sendo diferentes de Anahy, acabam por força das circunstâncias adquirindo a mesma cultura da mãe em defesa da família. Os filhos homens já não herdam a mesma valentia e coragem que são vistas e notórias na sua mãe.
No filme, na família de Anahy, as mulheres se expressam como seres humanos fortes, aguerridas e de personalidades marcantes enquanto os homens se identificam mais pelo lado frágil que carece do amparo feminino.
Percebe-se no filme que o fogo de chão, o churrasco, o chimarrão e a fala são traços da nossa cultura gauchesca. O próprio sotaque vem carregado de um misto que aglutina espanhol e português arcaico típico do nosso linguajar missioneiro e fronteiriço onde aqui além dos limites geográficos há uma fronteira cultural que nos abraça e nos irmana.
O filme faz um passeio nas belas paisagens deste estado rio-grandense-do-sul em diversos cenários desde os Pampas na região de Uruguaiana, passando pelos morros do Dorçal das Encantadas e daí até os cânions da serra em Cambará. 
Anahy de las Misiones, lutando pela sobrevivência, é uma mulher que pelas forças das circunstâncias torna-se uma referência e um exemplo de mãe no seu firme e inabalável propósito de manter a família unida negociando os despojos dos combatentes mortos nos acampamentos por onde passa de ambas as facções na crueldade da guerra. 
Site: Escritor João Antunes poeta, historiador e compositor 
Facebook = João Carlos Oliveira Antunes
Bossoroca (55) 9999-42970 joaoantunes10@terra.com.br  

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