Natal cidade de Todos os Anjos 2015. Texto completo original.
Pe. BALDA – Eu era o vigário de São Miguel naqueles terríveis anos de 1750. As coroas de Espanha e Portugal guerreavam pela posse da Fortaleza da Colônia do Sacramento. Depois de tanto sangue derramado, resolveram a questão com o absurdo e impensado Tratado de Madrid: Colônia do Sacramento passaria para Espanha e, em troca, Portugal receberia todos os nossos Sete Povos. Essa decisão extremamente funesta e dolorosa para os índios das Missões chegou até os Sete Povos com uma ordem de desocupação imediata. Eu não sabia como dizer isso aos guaranis de São Miguel. Sem conter meu desespero, reuni os caciques e lhes disse o que significava o maldito Tratado. Que tínhamos que abandonar nossas reduções, nossos templos, nossas casas, campos cobertos de gado, lavouras de algodão, trigo e milho, nossos ervais, nossos rios e nossas florestas, partindo com mulheres, crianças, velhos e doentes, e o que pudéssemos levar, para o outro lado do rio Uruguai, em local incerto e inóspito.
Alguns caciques choravam, outros não acreditavam no que eu dizia. Mas um deles, Tiaraju, que eu bem conhecia pelo lunar que havia em sua testa, lançou um grito de revolta, raiva e ódio, que ecoou por todas Missões:
SEPÉ - Padre, o senhor nos traiu! “Estas terras, Deus e São Miguel entregaram livres aos nossos avós; também livres herdamos de nossos pais; e livres nossos filhos hão de recebê-las.
Pe. BALDA – Aquelas palavras foram um punhal no meu coração. E nunca mais pudemos conter a revolta dos guaranis, nascida do grito daquele alferes da Redução de São Miguel chamado José Tiaraju - o Sepé.
NARRADOR – Em fevereiro de 1753, uma Comissão de Demarcação do Tratado de Madrid chegava a Santa Tecla. E lá estava Sepé com sessenta índios impedindo que prosseguissem a demarcação, ameaçando atacá-los se dessem um só passo a frente.
SEPÉ – Voltem, invasores! E digam a vossos chefes que não permitiremos a entrega de nossas terras. Esta terra tem dono!
NARRADOR – Em março de 1754, diante de ataques comandados por Sepé Tiaraju, contra Forte português de Rio Pardo, as forças de Espanha e Portugal decidiram impor o Tratado de Madrid com as armas. O general José Andonaegui, comandante do exército de Espanha, atacaria a redução de São Borja, pelo sul, e o general Gomes Freire de Andrada, comandante das forças de Portugal atacaria a redução de Santo Ângelo, pelo norte. Ambos fracassaram diante das investidas dos guaranis que incendiavam os campos e recolhiam o gado que alimentaria os exércitos. Com os campos devastados pelos incêndios e pelo rigoroso inverno e invencíveis enchentes, os quatro mil soldados dos dois exércitos tiveram que voltar às suas bases.
Em São Miguel, Sepé Tiaraju estava atento às notícias trazidas pelos bombeadores postados no alto das coxilhas. O Natal de 1755 já não foi celebrado com toda a pompa e festas de sempre. Havia um clima de revolta no ar, e os cânticos e sinos da igreja pareciam mais tristes. Pressentimentos amargos vindos do sul roíam a alma dos missioneiros. E Sepé espreitava os céus enquanto remoía planos de combate.
Em janeiro de 1756, Gomes Freire de Andrada e José Andonaegui resolveram invadir as Missões juntando suas forças num só exército. Era descomunal o poderio bélico dos invasores em relação às tropas missioneiras. Os caciques não tinham ideia do poder de destruição que se deslocava em direção às Missões. Quatro mil soldados com treinada cavalaria e infantaria, armadas e municiadas, artilharia com pesados canhões com enorme poder de fogo, milhares de cavalos e outro tanto de bois de corte e de trabalho, seiscentas carretas e trens de combate. Um assombro!
Nas Missões, diante de notícias alarmantes, o cacique-chefe das forças missioneiras, Nicolau Nhenguiru, deu a Sepé a missão de retardar a marcha do poderoso exército aliado. Queria tempo para reunir e armar os milhares de guaranis dispostos à guerra. Sepé, com apenas cem guaranis destemidos, partiu para cumprir sua missão. Iniciou com ataques-surpresa e com emboscadas. Armados com arcos e flechas, lanças e cavalos indomáveis, levavam estragos aos flancos dos exércitos. Queimando os campos e afugentando o gado, a marcha dos generais Gomes Freire e José Andonaege se tornava pesada e difícil. Então, o nome de Sepé Tiaraju, o comandante desses audaciosos guaranis, chegou até os generais.
GENERAL - Vão, passem na espada esse bando de feras, e tragam-me a cabeça desse índio Sepé Tiaraju.
NARADOR – Era 7 de fevereiro de 1756. Mal clareou o dia, José Joaquim Viana, no comando de 450 cavalarianos armados para guerra, partiu para a margem esquerda do rio Vacacaí, de onde soubera a presença de um perigoso grupo de índios. Somente à tarde, o destacamento de Viana topou com um grupo não mais do que cinquenta índios que ameaçava a vanguarda da cavalaria. O comandante espanhol, percebendo o perigo das voadoras flechas guaranis, ordenou que um pelotão da cavalaria avançasse e se pusesse em linha de tiro.
GENERAL – À minha ordem, pelotão... alça de mira naquele índio que está no comando... fogo!
NARRADOR - A sombra da noite se aproximava. Oito guaranis tombaram juntamente com o chefe. Então Viana pode se aproximar daquele que parecia ser o comandante. Era Sepé... que ainda quis três vezes levantar-se, mas já não havia mais forças naquele corpo guerreiro.
SEPÉ – Invasores malditos...fora daqui...fora daqui...Esta terra tem dono!!!
NARRADOR – O comandante Viana, do alto do cavalo, temendo ainda aquele índio valente que agonizava, quis dar um fim ao se temor. Com um tiro alvar, a pouca distância, fechava a página do mais audacioso e valente dos generais missioneiros.
A guerra continuou e as Missões dos Sete Povos caíram nas mãos do exército aliado. Logo depois, o Tratado de Madrid foi anulado e todo o sacrifício de milhares de guaranis e de Sepé foi em vão.
Mas Sepé Tiaraju não morreu nos corações missioneiros. Sua morte sobrepujou sua coragem, audácia e destemor na luta em defesa de sua terra. Seu nome varreu os pagos do sul, fixou-se na memória dos homens, atravessou os séculos, venceu o tempo, o espaço e a história, e rumou para o eterno mito. E o lunar que trazia na testa e seu grito de revolta passaram a iluminar todos os caminhos da liberdade e do amor à querência.
SEPÉ – Esta terra tem dono!
NARRADOR –
E um milagre aconteceu
Com o lunar do índio Sepé.
Por bravura e pela fé
Tomou rumo ao céu azul.
E o lunar se transformou
Na estrela que se fixou
Lá no Cruzeiro do Sul.
Texto e roteiro de Mário Simon.
Exclusivamente para a projeção mapeada (mapping) Natal Cidade dos Anjos – 2015 – Santo Ângelo RS – junho de 2015.
Notícia do Natal de Todos os Anjos em Santo Ângelo.
Imagens do Natal no Centro Histórico de Santo Ângelo.
Vídeo de apresentaçã do Natal de Todos os Anjos.
Este texto “Morte e Vida de Sepé”, foi composto e produzido com atores da terra, missioneiros fazendo a locução. Da Criação a execução contamos com a responsabilidade, o talento e a vocação dos missioneiros, um presente de nós para nós mesmos e é assim que são as coisas em família.
Natal de Todos os Anjos.
Centro Histórico de Santo Ângelo Estava Lotado para o Natal de Todos os Anjos.
Abertura oficial Natal Cidade dos Anjos 2015, Projeção Mapeada com Cronograma inicial.
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Texto Roteiro de Morte E Vida De José Tiaraju, 2015
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