"...a linguagem da Cruz..., para nós, é poder de Deus". 1 Cor 1,17ss "Em verdade, eu te digo, hoje estarás comigo no Paraíso". Lc 23,43
No século XX, numa simples cidadezinha do Brasil, situada entre planícies e montanhas, morava um casal com dois filhos. Trabalhavam numa pequena lavoura de arroz, que com muito sacrifício dava para sustentar a família. Nos dias de trabalho, sempre ao pôr-do-sol, todos ficavam maravilhados com o bimbalhar dos sinos que ecoavam dos montes espalhando-se pelos horizontes verdejantes. Tudo parecia estar em harmonia. Numa destas tardes, um dos filhos, afastando-se do pai e do irmão, deixando-os para trás, tomou o caminho de casa amargamente abatido... Rastros da solidão, perdendo-se na poeira da indiferença cegavam toda a esperança de voltar um olhar para trás. De repente um anjo que revoava pela planície inspirou-lhe para que dobrasse a esquina. E foi o que fez, pois sentiu que ao menos poderia ser coerente com o dobrar dos sinos que ainda ecoavam, presos em cada canto de seu coração. A trilha em que caminhava ia em direção às montanhas. Após algumas horas de viagem o jovem camponês já fatigado, chegava ao topo do monte. Olhando ao redor encontrou uma antiga igreja de pedra azul celeste, e lá em cima estavam os sinos, em silêncio, ou melhor, vigilantes... ainda mornos sobre a luz minguante do sol da tarde. Serenizando o olhar no desejo de contemplar toda a beleza do quadro que se apresentava, percebeu que ao lado da igreja, sobre o chão batido, havia uma pequena cruz de madeira. Então se aproximou dela, ficou ajoelhado a sua frente, olhando para os olhos fechados de Jesus. Sentiu-se profundamente triste, e com os olhos em lágrimas fechou-os. Talvez quisesse imitar Jesus? Não! Não era por isso! É porque lá na planície seu irmão que continuava trabalhando não tinha lugar em seu coração. De repente por detrás da cruz veio um vento como uma brisa, e trouxe-lhe um perfume suave de flor de arroz.... tocando em sua face. Ao abrir os olhos, percebeu que atrás da cruz um lindo pôr-do-sol se destacava na planície. De trás da cruz ele contemplava os horizontes; era dali que os ecos dos sinos partiam ao encontro do ocaso. Ao descer da montanha decidiu que no dia seguinte encontraria seu irmão ao ecoar dos sinos. Assim aconteceu. Chegando no tempo da colheita do arroz, a família decidiu fazer uma festa. Então, todos se reuniram no gramado do quintal da casa, numa mesa à sombra de laranjeiras. O filho que sempre ficara com o pai levantou-se na quina da mesa e, erguendo um caloroso brinde ao irmão, disse: "Meu abençoado irmão, toda vez que o vi voltando das montanhas, trazia paz e esperança para todos nós". Mas, do outro lado da mesa, estava seu irmão, com os olhos fechados em lágrimas... Abrindo os olhos, serenamente levantou e falou: "Em muitos momentos de nossa vida, nos trabalhos cotidianos, ficamos angustiados a ponto de prejudicar nosso próximo, e achamos impossível um gesto de perdão". Olhando com carinho para todos, questionou-os, inclusive a si mesmo: "Por que será que às vezes, na neblina da indiferença, na noite escura do ódio, sem nenhuma luz de esperança... passamos a amar nosso próximo? Eu digo por quê!... Ouvindo os ecos dos sinos que vinham dos montes, encontrei uma cruz, e estando a sua frente de joelhos, uma leve brisa tocou-me... Era a mão de Deus que como uma luva tirava de cima de meu coração a pena cinza da inveja que sufocava meus desejos da caridade... “ Assim terminava a história do jovem camponês que gostava de ouvir os ecos dos sinos, e amava os ventos que vinham de trás da cruz. Ir. Edison Hüttner. ***********************************************************************************************
HÜTTNER, Edison. Champagnat: dos Braços ao Coração de Maria. Porto Alegre: Edipucrs, 2001, p. 119. Disponível em atualizado em 29/02/2020.