Junto com a história da humanidade através dos seus milênios a arte de partejar, atividade quase eminentemente feminina, é um desempenho de caráter nobre, merecedor de um profundo respeito e consideração por tratar-se de um ofício que tem a ver com a vida, com gravidez, com recém-nascidos e com a figura da mãe.
As parteiras, muitas delas, pelo saber popular operavam verdadeiros milagres, pois eram depositarias de um notório saber herdado dos antepassados aglutinado à experiência pessoal.
Houve um tempo, na época da “caça às bruxas”, em que as sábias parteiras juntamente com curandeiras e as herboristas (quem conhece o uso e o estudo das plantas medicinais) foram perseguidas numa estratégia egoísta e sem fundamento promovida pelo Estado e apoiada pela Igreja, pois na Europa Ocidental pretendia-se monopolizar o saber e também legitimá-lo como saber médico que fosse oriundo e direto das universidades criadas no Renascimento.
Quando vou ao museu em Bossoroca e contemplo um quadro com diversas parteiras me vem à memória, povoando meu imaginário, toda uma gama de histórias que minhas avós contavam sobre o santo ofício dessas mulheres, as parteiras.
Quando eu nasci em 23-07-1961, meus pais moravam no interior a cerca de uns 10 km da então Vila de Bossoroca. Haja vista a própria condição financeira e a cultura da época meus pais decidiram que o parto para o meu nascimento seria través de uma parteira, que foi a senhora Ecilda dos Santos popularmente chamada de Dona Cida. Uma mulher sem nenhum estudo, mas uma pessoa de um extremo conhecimento daquilo que eu sempre chamo de leitura do mundo e, por conseguinte, tinha um domínio pleno quando estava partejando. Meu dois irmãos mais novos também vieram ao mundo por mãos de parteiras.
Muitas dessas destacadas mulheres percorriam longas distâncias a pé ou sobre o lombo de um cavalo manso enfrentando as intempéries do tempo para dar conta dessa nobre missão. Levavam consigo poucos pertences, ou seja, geralmente uma tesoura, carretel de linha zero, capa de chuva, fita métrica, toalha, ungüentos e muita fé. Pediam aos donos da casa água, gamela, sabão e lamparina ou candeeiro.
Sabe-se que muitas parteiras enfrentavam verdadeiros desafios e eram obrigadas a conviver com certas situações de medo, incertezas e inseguranças devido as condições de saúde da grávida e as precariedades que se apresentavam na ocasião do parto.
Verdadeiras e valorosas doutoras do tempo antigo além da experiência traziam consigo sensibilidade, sabedoria e calma. Nas suas práticas populares usavam plantas medicinais, simpatias, superstições e orações onde a fé era uma espécie de parâmetro para que o trabalho se desenvolvesse do melhor modo possível. Elas eram também pessoas dotadas de sentimentos ambivalentes, conviviam com verdadeiros extremos entre sofrimento e prazer, alegria e tristeza, medo e coragem, muitas vezes, mesmo ante as limitações elas eram, na prática, mais entendidas em alguns casos que certos profissionais que viveram vários estágios da medicina.
Neste tempo moderno, contemporâneo, mesmo tendo direito garantido constitucionalmente à saúde onde os partos são feitos em ambiente hospitalar, sabe-se que, por outro lado, dentro desta enorme extensão territorial do Brasil, permeado por tantas desigualdades, há muitos lugares tipo comunidades de zonas rurais, ribeirinhas, vilarejos distantes e outros lugares de difícil acesso em que a figura da parteira tradicional ainda é muito requisitada para o parto domiciliar, assistência às mulheres e às crianças onde muitas parteiras fazem seu serviço geralmente de graça.
Considerando os riscos decorrentes desse apostolado muitas vezes sem condições mínimas o ofício de partejar é, em resumo sintetizado, uma missão de amor e amor à vida!
Portal: Escritor João Antunes poeta, historiador e compositor
Facebook = João Carlos Oliveira Antunes
Bossoroca (55) 9999-42970 joaoantunes10@terra.com.br
AS PARTEIRAS DO MEU PAGO
Dona Cída, Estefânia,
Adelaide, Castorina,
Beníguina e Dona Alice,
Dona Luíza, Serafina,
Donáta, Dona Porfíria
E a (Túcha) Dona Ursulína
Foram parteiras no pago
Com providências divinas!
Foi nos ranchos e estâncias
De sina e rumos distantes
Quarteando sóis escaldantes
Ou noites de invernias
Que elas, com fidalguia,
Nesta arte milenar,
No ofício de partejar
Tinham tanta serventia.
Com ervas, chás e ungüentos
Sabiam “puxar barriga”
Com mãos e presença amiga
Na pediatria caseira,
Pois deste jeito a parteira
Era o elo que se unia
Ao ventre que se rompia
Pra chegada dos herdeiros.
Na vila e no interior
Essas mulheres de valia
Se traduziam no amor,
Conforto e garantia
Servindo o ser humano
Com assistência e afago;
É por isso que hoje trago
Na forma desta canção
Meu preito de gratidão
Às parteiras do meu pago!
Com muita desenvoltura
No santo dom recebido
Dissertavam com sentido
Passando plena confiança
Renovando a esperança
E quase sem aparato
Sabiam, pleno, de fato,
De como aparar crianças.
E a mãe, feliz, recebia
Aquele recém-nascido
Que viera trazer sentido
Para o casal sonhador,
Com a graça do Criador
Que a todos nos conduz
E as mensageiras da luz
Em tantas missões de amor!
Letra: João Antunes e João Ribeiro.
Música: Álvaro Feliciani.