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31/03/2020 17:55


A OBSESSIVA DEVASSA - Por Otavio Reichert

O sucedido vem dos idos tempos quando próximo a um parque o caçador encontrou uma bolsa, a de tiracolo. Um frio perpassou-lhe a espinha no momento que tocou nela, um misto de medo e de suspense. Sentiu-se vulnerável. Logo ele, hein, armado com faca e espingarda de dois canos.

Era relativamente bonita. Tinha uma lapela de couro ao fecho, destacando-se uma fivela dourada. Bolsa de mulher, confirmado pela identidade solta dentro dela e uma identificação sob o vidro, emoldurada ao modo das fotos antigas. Constava ali nome e o local de trabalho: Devassa Pinto, funcionária de instituição estadual naquele município.

Perdeu o foco na caçada ao enigma de como aquela bolsa viera parar naquele ermo, fora das trilhas criadas ao turismo. Mal sabia ele que de caçador estava sendo caçado. No dia seguinte, aproveitando a ida ao comércio para a venda de couros curtidos e produtos agrícolas, entregaria a dita bolsa.

Chegando-se ao portão, lembrou terem dito que naquela instituição trabalhava uma mulher com taras sexuais e que dois homens já teriam sucumbido às luxúrias da dita cuja. Até pensou em somente deixar a bolsa com o porteiro quando este confirmou que a tal Devassa ali trabalhava, mas a curiosidade foi maior. Foi levado, então, pelo corredor até uma repartição onde homens e mulheres conversavam animadamente e faziam o lanche da tarde. Uma das mulheres, assim que o viu, veio a passos largos até ele, dizendo-lhe em alta voz: – o senhor achou a bolsa que perdi no parque!

Estranhos olhares acompanharam a cena, com desconfortável sensação ao cumprimento formal da eufórica Devassa, a qual, sem delongas, passou a narrar mais para as colegas que para ele sobre o sumiço da bolsa no dia da caminhada ecológica. Ante a situação inusitada, ainda achegou-se para dizer que ela tivera sorte pela falta de chuva naquela semana, mantendo-se, portanto, intacta a bolsa. Parecendo não lhe dar ela mais atenção, despediu-se coletivamente, dizendo adeus mais em gesto que de voz. E saindo, o ingênuo caçador não se apercebera da artimanha feminina, a dela, com desvario mental acentuado.

Já ia corredor afora quando ouviu o chamado: –- ó, senhor, na minha euforia não perguntei seu nome tampouco lhe agradeci por ter encontrado minha bolsa. Ato contínuo, recebeu apertado abraço, seguido por beijos efusivos, cheios de coisas mais. E como que se refazendo do ímpeto remexeu a cintura como que ajustando seu vestido, subindo as laterais e depois puxando-o para baixo pela gola V, evidenciando ainda mais os seios voluptuosos, graúdos, de onde tirou papel e um toco de lápis, perguntando-lhe o nome e o endereço, pois queria fazer-lhe, o mais breve possível, uma visita para levar-lhe um presente de agradecimento pelo grande préstimo. 

Num misto de sedução e apreensão, estava por falar do seu endereço quando alguém, sem menos esperar, saiu daquele recinto e fixou o olhar para as costas da Devassa e depois à face do caçador. Ela nada percebeu, pois, meio de croque, estava envolvida nas preciosas anotações. Ainda por traz dela, o estranho gesticulou o dedo, girando o indicador como a expressar que ela não regulava bem, e arregalou os olhos como a demonstrar perigo iminente.

Foi a tempo de inventar residência falsa, noutra cidade,  e que naquele dia, justo naquele dia, de visita a um amigo, tinha ido junto com ele caçar perdizes no campo. E lá se foi o caçador, corredor afora, sentindo os olhos da caçadora apontados nele, fazendo-o apressar o passo.

Lenda ou não, o nome Devassa passou também, com o tempo, a simbolizar mulher obsessiva, insistente, irresistível... Sem mais, seria ela, ela quem está postada, sedutoramente, no rótulo da cerveja Devassa?

 

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