Saiba porque o termo virou moda.
Cerveja artesanal, queijo artesanal, chocolate artesanal, sorvete artesanal...
A palavra invadiu os cardápios e as gôndolas dos supermercados, se transformando no termo gastronômico da vez. Pode reparar: o pão ganhou versões vendidas pela internet ou até mesmo nas padarias. O brigadeiro da doceria também vem recheado com o termo – mas todo brigadeiro, afinal, não é artesanal?
Por um lado, esse comportamento vem de um resgate afetivo da forma de se cozinhar. Por outro, indica uma evolução do paladar do consumidor, mais atento para a diferença entre o sabor do que é massificado ou não.
Mas aquele artesanal da vovó, essencialmente caseiro, ficou para trás, dando lugar para práticas mais avançadas em relação a ingredientes, técnicas e possibilidades. “Ainda temos uma ideia muito romantizada do alimento artesanal é feito por um pequeno produtor em uma casinha no campo. "Hoje, eles usam alta tecnologia”. “Artesanal deve ser sinônimo de sofisticado, seleto, personalizado”, diz ele.
Sem aditivos, por favor.
Para o professor, esse tipo de produção tem ganhado cada vez mais espaço justamente por primar pela qualidade. “Na essência é aquele produto que tem um maior respeito pelo ingrediente e pela receita, sem acelerar os processos naturais, como é comum na grande indústria, que é mais preocupada com volume. Na Europa, por exemplo, há produtores de queijo que deixam de produzir por um tempo quando notam que o leite não tem a mesma qualidade”, afirma.
Primo do gourmet
O número de produtores artesanais tem crescido exponencialmente no mercado da gastronomia, fazendo com que até grandes indústrias passassem a se mexer para conquistar esse consumidor mais exigente a recente associação com chefs e personalidades da área por grandes fabricantes é uma prova desse movimento.
No ramo da cerveja, por exemplo, a onda criou uma verdadeira revolução, fazendo com que até empresas gigantes, como a Ambev, passassem a se preocupar com o barulho feito pelos pequenos e médios produtores. Já são dezenas de cervejarias artesanais produzindo cerca de 1 bilhão de litros por ano, em um mercado que tem crescimento anual entre 30% e 40% no Brasil.
André Junqueira, da curitibana Morada Cia. Etílica, é um dos principais produtores dos rótulos artesanais que abastecem as gôndolas do país. Para ele, a própria palavra “artesanal” deveria estar relacionada a “algo elevado ao estado da arte, em que o conhecimento e capacidade se unem à inspiração”.
Segundo Junqueira, uma Ferrari, por exemplo, é um carro elevado ao estado da arte, pois por mais que seja produzida em grandes fábricas, é feita com as melhores ferramentas e conhecimento disponíveis. “O mesmo acontece com a cerveja ou outros produtos artesanais. Quanto mais tecnologia aplicada ao processo tiver, melhor será o produto”, afirma.
Junqueira também atenta para os efeitos negativos do excesso de exposição do termo artesanal, o que criaria um desserviço ao setor. “Há muitos aventureiros que veem matérias na imprensa e uma loja abrindo no bairro, e pensam que se ganha muito dinheiro com isso. Para tentar viabilizar seus empreendimentos, tentam usar todas as apelações possíveis para ganhar atenção do público, em especial o adjetivo ‘artesanal’”, afirma.
Isso gera uma banalização do produto artesanal, fazendo com que o consumidor passe a questionar a qualidade do que é produzido sob esse termo. “O público ainda tem pouca informação correta sobre o tema. Por isso, acredito que a única maneira de evoluirmos é ensinando, expondo quem quer só se aproveitar da onda, como os pseudo-artesanais, para assim mostrarmos para o consumidor o diferencial do produto que de fato pode ser chamado assim", diz.
O professor Leonardo Tavares concorda. “O consumidor ainda vê barreiras no entendimento dos produtos artesanais, como o fato do preço ser geralmente mais caro. Por isso, ele necessita perceber uma real vantagem na hora de comprá-lo. A aposta ainda tem que ser a qualidade, do sabor e da procedência. Senão corre-se o risco do ‘artesanal’ cair na mesma banalidade do ‘gourmet’”, conclui.
Fonte UOL 20 anos.